Por uma globalização mais humana
A
globalização é o estágio supremo da internacionalização. O processo de
intercâmbio entre países, que marcou o desenvolvimento do capitalismo desde o
período mercantil dos séculos 17 e 18, expande-se com a industrialização, ganha
novas bases com a grande indústria, nos fins do século 19, e, agora, adquire
mais intensidade, mais amplitude e novas feições. O mundo inteiro torna-se
envolvido em todo tipo de troca: técnica, comercial, financeira, cultural.
Vivemos
um novo período na história da humanidade. A base dessa verdadeira revolução é
o progresso técnico, obtido em razão do desenvolvimento científico e baseado na
importância obtida pela tecnologia, a chamada ciência da produção.
Todo
o planeta é praticamente coberto por um único sistema técnico, tornado
indispensável à produção e ao intercâmbio e fundamento do consumo, em suas
novas formas.
Graças
às novas técnicas, a informação pode se difundir instantaneamente por todo o
planeta, e o conhecimento do que se passa em um lugar é possível em todos os
pontos da Terra.
A
produção globalizada e a informação globalizada permitem a emergência de um
lucro em escala mundial, buscado pelas firmas globais que constituem o
verdadeiro motor da atividade econômica.
Tudo
isso é movido por uma concorrência superlativa entre os principais agentes
econômicos -- a competitividade.
Num
mundo assim transformado, todos os lugares tendem a tornar-se globais, e o que
acontece em qualquer ponto do ecúmeno (parte habitada da Terra) tem relação com
o acontece em todos os demais.
Daí
a ilusão de vivermos num mundo sem fronteiras, uma aldeia global. Na realidade,
as relações chamadas globais são reservadas a um pequeno número de agentes, os
grandes bancos e empresas transnacionais, alguns Estados, as grandes
organizações internacionais.
Infelizmente,
o estágio atual da globalização está produzindo ainda mais desigualdades. E, ao
contrário do que se esperava, crescem o desemprego, a pobreza, a fome, a
insegurança do cotidiano, num mundo que se fragmenta e onde se ampliam as
fraturas sociais.
A
droga, com sua enorme difusão, constitui um dos grandes flagelos desta época.
O
mundo parece, agora, girar sem destino. É a chamada globalização perversa. Ela
está sendo tanto mais perversa porque as enormes possibilidades oferecidas
pelas conquistas científicas e técnicas não estão sendo adequadamente usadas.
Não
cabe, todavia, perder a esperança, porque os progressos técnicos obtidos neste
fim de século 20, se usados de uma outra maneira, bastariam para produzir muito
mais alimentos do que a população atual necessita e, aplicados à medicina,
reduziriam drasticamente as doenças e a mortalidade.
Um
mundo solidário produzirá muitos empregos, ampliando um intercâmbio pacífico
entre os povos e eliminando a belicosidade do processo competitivo, que todos
os dias reduz a mão-de-obra. É possível pensar na realização de um mundo de
bem-estar, onde os homens serão mais felizes, um outro tipo de globalização.
"O País Distorcido"
Autor: Milton Santos em 30/11/1995
Editora: Publifolha
Fonte: FOLHA UOL
Um pouco mais sobre Milton Santos
Prof. Dr. Milton Santos (Milton de Almeida Santos
ou Milton Almeida dos Santos), nasceu em Brotas de Macaúbas, no interior da
Bahia, no dia 03 de Maio de 1926. Geógrafo e livre pensador brasileiro, homem
amoroso, afável, fino, discreto e combativo, dizia que a maior coragem, nos
dias atuais, é pensar, coragem que sempre teve. Doutor honoris causa em vários
países, ganhador do prêmio Vautrin Lud, em 1994 ( o prêmio Nobel da geografia),
professor em diversos países (em função do exílio político causado pela
ditadura de 1964), autor de cerca de 40 livros e membro da Comissão Justiça e
Paz de São Paulo, entre outros.
O Prof. Milton Santos formou-se em Direito no ano
de 1948, pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), foi professor em Ilhéus e
Salvador, autor de livros, que surpreenderam os geógrafos brasileiros e de todo
o mundo, pela originalidade e audácia: "O Povoamento da Bahia" (48),
"O Futuro da Geografia" (53), "Zona do Cacau" (55) entre
muitos outros. Em 1958, já voltava da Universidade de Estrasburgo, da França,
com o doutorado em Geografia, trabalhou no jornal "A Tarde" e na CPE
(Comissão de Planejamento Econômico-BA), precursora da Sudene, foi preso em
1964 e exilado. Passou o período entre 1964 a 1977 ensinando na França, Estados
Unidos, Canadá, Peru, Venezuela, Tânzania; escrevendo e lutando por suas
idéias. Foi o único brasileiro e receber um "prêmio Nobel", o Vautrin
Lud, que é como um Nobel de Geografia. Outras de suas magistrais obras são:
"Por Uma Outra Globalização" e "Território e Sociedade no Século
XXI" (editora Record) .
Milton Santos, este grande brasileiro, morreu em
São Paulo-SP, no dia 24 de Junho de 2001, aos 75 anos, vítima de câncer.
Fonte: NOSSO SÃO PAULO
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